GERAL
Amor ou pressão? O impacto do Dia dos Namorados na saúde mental
   
Para muitos, este dia não é apenas uma celebração inofensiva do amor

Por Franciane Schuster, psicóloga
13/06/2025 07h44

O amor não se sustenta apenas num dia de rosas e velas. A saúde mental fica refém de manifestações suficientemente surpreendentes, que desencadeiam níveis de ansiedade e stress desmedidos.

Percorremos as redes sociais e somos inundados por declarações de amor, fotografias de casais (aparentemente) felizes, legendas carregadas de juras e promessas eternas. Na televisão, nos cartazes de rua, nos anúncios que nos seguem de site para site, a narrativa repete-se: este dia é para celebrar, e há uma forma certa de o fazer.

Esquecemo-nos de que a pressão colocada neste dia ignora, muitas vezes, realidades de amor não correspondido, relações abusivas ou negligenciadas ou até os desafios de quem tem, por exemplo, uma relação à distância. A saúde mental entra em roda livre, ameaçada por ansiedade, medo de falhar, inseguranças pessoais, desvalorização e sentimentos de inadequação.

Para muitos, este dia não é apenas uma celebração inofensiva do amor, mas um gatilho emocional que pode afetar a saúde mental. A pressão para corresponder às expectativas sociais ou para demonstrar afeto de forma grandiosa pode despertar níveis elevados de ansiedade, inadequação social e solidão. A onipresença da data nas redes sociais, na publicidade, nas conversas do dia a dia pode reforçar a sensação de que falta algo na sua vida, mesmo que, noutras circunstâncias, se sinta plenamente realizado. Para quem acabou de sair de uma relação ou vive um momento de instabilidade emocional, este dia pode dificultar o luto e amplificar a dor da perda.

Mesmo para quem está numa relação, a pressão para criar um momento especial pode ser uma fonte de stress. A comparação com outras celebrações, a ideia de que um gesto precisa ser suficientemente romântico ou surpreendente, ou mesmo o medo de decepcionar o parceiro podem gerar ansiedade. Para alguns casais, este dia não fortalece a relação pelo contrário, expõe inseguranças, aumenta expectativas irrealistas e pode até desencadear conflitos. O amor, que deveria ser espontâneo e natural, torna-se uma obrigação a cumprir, um padrão a atingir, e esse peso emocional pode transformar o que deveria ser um momento de conexão num teste de performance romântica.

O marketing desmedido parece querer dizer-nos como amar e sermos amados. E assim são os dias que antecedem o dia dos namorados. A mensagem parece ser clara: se amas alguém, tens de o provar. Se não tens alguém, precisa encontrar.

Mas será assim para todos? É que esta enxurrada de mensagens bonitas não chega a todos da mesma maneira. Para quem está apaixonado, talvez seja uma atmosfera excitante e um convite para celebrar a relação que vive. Mas para quem está lidando com um desgosto amoroso e terminou uma relação, a avalanche de declarações públicas pode ser um lembrete doloroso daquilo que já teve e perdeu. Para quem nunca viveu uma história romântica, pode representar uma reafirmação daquilo que sente estar em falta.

E para quem está numa relação, mas simplesmente não se identifica com a celebração, esta repetição incessante pode ser sufocante, e a pressão para “fazer algo especial” pode tornar-se um incômodo, até mesmo uma percepção de falha. Mesmo entre casais felizes, a comparação inevitável pode gerar dúvidas: “Estarei fazendo o suficiente?”, “Será que estou correspondendo às expectativas?”. Para alguns, esta data serve o propósito de redenção anual e um momento para compensar a falta de atenção, cuidado e generosidade durante todo o ano.

O dia dos namorados parece ser o dia do “temos de” forçar a presença quando esta virou ausência. Celebrar o amor num dia específico não é o problema – o problema é quando esse dia se torna a única manifestação visível de um sentimento que, no resto do tempo, é negligenciado.

Diariamente, confronto-me com pessoas que mostram que a romantização massiva do amor a dois, impulsionada pelo marketing, cria a ilusão de que estar numa relação é um objetivo supremo e que qualquer vivência amorosa seja ela casual, platônica ou solitária é insuficiente.

Não há espaço, nesta narrativa idealizada, para a complexidade dos afetos humanos. Tudo isto pode agravar sentimentos de baixa autoestima, isolamento e tristeza. No fundo, o problema não está na celebração em si, mas na forma como ela nos é imposta como se existisse apenas um modelo legítimo de viver e qualquer desvio dessa norma fosse um sinal de fracasso.

Se pararmos de tratar este dia como um teste à validação romântica e o passarmos a ver como um convite à celebração do afeto em todas as suas expressões, talvez possamos libertá-lo da ansiedade, da exclusão, da culpa e da obrigação. Ao desenvolvermos uma base sólida de aceitação e ao promovermos o amor no seu todo e nas suas diferentes dimensões, tornamo-nos emocionalmente resilientes e encontramos dentro de nós a segurança que tantas vezes procuramos fora.

Talvez o maior presente que podemos dar a nós mesmos seja viver e celebrar o amor todos os dias, com a liberdade de o fazer da forma que nos faz felizes.

 

Fragmentos por Inês Sampaio Figueiredo 


   

mode_emailEnviar E-mail

  Fechar E-mail

  

menu
menu

Nós e os terceiros selecionados usamos cookies ou tecnologias similares para finalidades técnicas e, com seu consentimento, outras finalidades, conforme especificado na política de cookies.
Você poderá consentir o uso de tais tecnologias ao usar o botão “Aceitar”. Ao fechar este aviso, você continua sem aceitar.

SAIBA MAIS

Aceitar
Não Aceitar